Uma pequena e frágil criança corria em meio aos corredores da fortaleza imperial de Volcor.
O piso de madeira mal rangia aos seus pés, de tão diminuta a forma da nobre garota.
Uma criatura de orelhas baixas, membros pequenos, que respirava ofegante em sua ávida fuga. Uma menina.
Uma menina seguida por um menino, esse sim repleto de compostura e grandeza no ar que o envolvia.
O menino era seu irmão gêmeo, maior e mais forte, que corria atrás dela, atrasando seus próprios passos para nunca alcançar aquele pequeno ser.
Esses eram os pequenos nobres, Andira e Drugo, filhos do Imperador Andor.
O terror dos empregados, dado o quanto aprontavam.
O terror dos mestres do Aether, devido à discrepância em seus talentos.
Contudo, eram também a encarnação do amor puro e caloroso de Andor, o qual já havia sido um grande guerreiro, e agora voltava seus esforços para a paz e para o bem-estar dos seus pares.
Ambos aprenderam muito bem com seu avô, ao ponto de nunca terem brigado um com o outro em toda a duração de suas vidas.
As crianças se divertiam, ainda correndo, desajeitados, pelos corredores à luz de tochas.
Quando passavam por uma mulher de vestidos compridos, sempre tentavam passar por baixo de suas pernas.
“Ei!” Elas gritavam, desprezando a desordem juvenil.
Às vezes, Andira, aproveitando que era menor, se escondia sob as vestes longas e despistava seu familiar perseguidor.
Drugo, por sua vez, aproveitava que este era um dos poucos momentos em que sua querida irmã não se encontrava acamada, devido à sua fragilidade natural, para se divertir e divertí-la.
Sem escrúpulos, como são as crianças, era cotidiano que os dois invadissem salas de reunião importantes, encontros secretos de seus pais, e se desventurassem nas terras próximas ao grande vulcão, sem horário para retornar ao lar.
“Sempre que um de nós, seus servos, vai caçá-los ao anoitecer, a Princesa sempre aparece nos braços de seu irmão.” Uma empregada reclamava, cautelosa de suas palavras, diretamente a Yelena, mãe dos gêmeos e Senhora da Guerra de Volcor.
“Ah, o jovem Príncipe… Quem dera ele tivesse olhos para alguém além de sua protegida irmã.” Uma das serviçais mais jovens, filha de uma longa linhagem de servidores do Império, sussurrou para outra, ainda dentro dos aposentos de sua senhora.
“Shhh!” A outra serva, mais experiente, calou-a, antes que seus comentários sugerissem qualquer tipo de conspiração.
“Drugo, senhoritas…” Proferiu Yelena. “Será um esplêndido Imperador. Garanto que escolherá muito bem sua esposa. Se lhes convoquei apenas para ouvir suas preocupações, podem regressar ao trabalho.”
“Sim, minha senhora.” Elas responderam, em união.
Não antes de elas saírem, contudo, as brincalhonas crianças invadiram o quarto, saltando para a cama de sua mãe, onde a própria se encontrava repousando.
Recebidos por ela sempre com muito calor, seja do tipo afetivo ou do tipo disciplinar, os pequenos foram progressivamente se acalmando.
Andira, contudo, começou a ofegar.
Yelena já havia avisado para Drugo não estimular sua irmã a correr, devido ao seu coração frágil.
Em seguida, uma intensa dor no peito afligiu a jovem princesa.
Geralmente, essas dores eram passageiras, de rápida resolução. Contudo, quanto mais durava, mais Yelena e Drugo se preocuparam.
O príncipe correu para encontrar quaisquer curandeiros ou sábios capazes de auxiliar Andira.
As pálpebras nos olhos de Andira começaram a bater rapidamente.
Ela era capaz de enxergar o rosto de sua mãe somente entre uma piscada e outra.
A expressão da nobre mulher lentamente tornava-se de preocupação, e evoluiu para desespero antes de Andira perder o controle sobre seus olhos.
Seu corpo começou a tremer.
E, neste momento, ela já não sentia mais nada.
Ela nem mesmo se lembraria.
Todos que passaram pela porta entreaberta do quarto se preocuparam e adentraram o cômodo.
Graças a isso, eles puderam ver.
Andira convulsionava, e chamas azuis surgiram desordenadamente ao seu redor.
Chamas azuis, iguais às do talento único e poderoso que seu irmão possui.
Todos que viram, tão logo quanto viram, acreditaram: Não era belo, mas era real.
O fogo azul da lenda, o Fogo-Fátuo, brandido apenas uma única vez no ímpeto da morte pelo pai do atual Imperador…
Ele existe. E ele habita em Andira tanto quanto habita o talentoso Drugo.
Essas chamas deixariam cicatrizes permanentes em Yelena, que agarrava Andira numa tentativa de controlar suas convulsões.
Assim que Drugo retornou, acompanhado do sábio apotecário que cuidou de Andira por toda a sua vida, eles também puderam ver.
Nem mesmo Drugo era capaz de liberar tantas chamas azuis de uma única vez.
O próprio Imperador foi chamado para testemunhar.
E, pela segunda vez na vida, ele derramou silenciosas lágrimas de orgulho, que evaporaram antes de ser vistas ou alcançar o chão.
Os curiosos logo saíram do cômodo, pois não aguentavam mais o calor ali gerado.
No fim, sobraram apenas Andira e seus parentes diretos.
O fogo apagou, mas não sem antes deixar sua marca, tanto em Andira quanto em seus protetores.
A partir de então, Andira usaria um véu para cobrí-la, e também para proteger seus frágeis pulmões de quaisquer agentes externos, inclusive das cinzas do próprio coração de Volcor.
Também usaria seu cabelo comprido, de modo a esconder a sutil deformidade em suas orelhas. Nenhum sinal de fragilidade poderia ser visto numa herdeira do futuro de Volcor.
A princesa também deveria ser poupada de quaisquer situações que pudessem desencadear suas crises. Isso, contudo, não significa que elas deixariam de acontecer.
Toda essa defesa tornou-se matéria-prima para uma princesa de coração puro, generosa, e que ansiava, mais do que qualquer outra coisa, por explorar o mundo além do alcance de seu cárcere protetor.
Muitos sábios tentariam curá-la, sem êxito.
Contudo, esse episódio jamais seria esquecido.
Andira, A Princesa Frágil, agora era também herdeira do fogo-fátuo, e seria treinada como tal, para brandí-lo em nome de Volcor.
Contudo, seu talento latente somente aflorava em situações como essa.
E este episódio foi apenas o começo de uma longa, longuíssima história, que perduraria até os dias atuais.
Uma história de sangue imperial, e uma história das extintas chamas azuis.